BLOG DO GUSMÃO

TELEANÁLISE: A MORTE DE VOLTA À VIDA

Por Malu Fontes

malu fontesA morte está de volta, e no pior sentido. As gerações urbanas que adolesceram nas últimas três décadas foram desacostumadas com a morte, no que se refere ao contato visual com a presença de um corpo morto. Os percursos e os rituais da morte há muito se afastaram dos espaços privados, da casa onde se mora. Migraram para os hospitais e destes para velórios nos cemitérios. O que alguns historiadores chamam de morte burguesa se caracteriza justamente por ocorrer e ser embalada, durante e depois, num processo de medicalização, institucionalização, assepsia e distanciamento físico em que o corpo morto praticamente desaparece do raio de visão até mesmo dos familiares mais próximos.

Quem viveu a infância nos idos dos anos 60, 70, ou longe dos grandes centros urbanos, certamente traz na memória imagens e cenas de um conhecido ou ente querido morto, geralmente em casa, onde eram realizados os velórios. Os ritos fúnebres em espaços privados eram tão comuns como os batizados e os casamentos. Com a institucionalização da morte e sua transferência para os domínios da medicina, as crianças, os adolescentes e os adultos jovens contemporâneos sempre, com raras exceções, foram mantidos à distância do fenômeno pontual da morte e mais ainda das imagens reais de um corpo morto.

MATADA E MORRIDA – Esta semana, no entanto, duas pesquisas encomendadas pelo Governo Federal para subsidiar a formulação de políticas públicas voltadas para os jovens, visando deter o alarmante índice de mortes e de toda a sorte de modalidades de violência entre esse contingente populacional, alertaram para um dado que impressiona. Mais da metade dos jovens entrevistados já viram um corpo morto na rua em consequência da violência. A partir de terça-feira, quando foram divulgadas as pesquisas dando conta dos altos índices de vulnerabilidade dos jovens à violência, todos os telejornais exibiram matérias especiais sobre o assunto.

Mais de 55% dos jovens entrevistados afirmaram já ter visto corpos de pessoas assassinadas nos últimos 12 meses e, entre os entrevistados na cidade de São Paulo, 13% disseram já ter presenciado um assassinato. Ou seja, por contingências perversas e relacionadas à violência, o que se viu nos resultados das pesquisas e em todas as abordagens jornalísticas feitas a partir dos dados encontrados foi que a presença física de um corpo morto voltou a fazer parte da vida de milhares de pessoas nos centros urbanos. E, diferentemente do que ocorria décadas atrás, a proximidade de agora é com a morte matada, e não com a morte morrida, como se diz no popular.

CARRINHO E TRÂNSITO – As crianças do passado confrontavam-se com mortes consideradas naturais, por doença, idade avançada, etc. Agora são os assassinatos e os acidentes de trânsito que espalham corpos pela cidade. As autoridades dão sua contribuição para que esse contato seja ainda mais brutal e banal. Em Salvador, há uma semana, uma professora atropelada na região do Iguatemi e um jovem executado a tiros no subúrbio foram objetos de protestos e de cobertura dos meios de comunicação impressos e televisivos. Ambos permaneceram mais de cinco horas estendidos na rua, literalmente atrapalhando o trânsito, aguardando a remoção por parte das equipes da segurança pública. O tempo foi mais que suficiente para que os poderes públicos ostentassem ineficiência, desrespeito e sua contribuição para a banalização da visão da população diante dos corpos mortos multiplicados pela violência. Outro fato revelador da banalização do cadáver foi a imagem que circulou o mundo, há cerca de um mês, de um homem morto colocado na rua, no Rio de Janeiro, dentro de um carrinho de supermercado. O corpo, naquele acondicionamento insólito, ficou horas sendo observado por crianças, jovens, adultos, velhos e pelas lentes televisivas e fotográficas do mundo.

BAHIA MAL NA FITA – Não deixa de ser paradigmático que em uma cultura na qual a morte se torna cada vez mais um tabu, por representar o fracasso de todos os progressos da tecnologia médica e da farmacologia diante da natureza biológica, ela volte a fazer parte do cenário cotidiano das populações urbanas justamente por conta de causas tão primitivos e bárbaras, como a eliminação do outro ao sabor dos conflitos sociais. Um outro dado das pesquisas sobre o contexto sob o qual vive o jovem brasileiro deixou a Bahia muito mal na fita. Das 15 cidades brasileiras pesquisadas com mais de 100 mil habitantes consideradas as mais perigosas para os jovens, onde estes têm mais chance de morrer ou ingressar no crime, 5 são baianas. Itabuna, depois de conquistar a liderança em casos de Dengue, também conseguiu o primeiro lugar nacional onde a população jovem corre mais riscos, onde é mais vulnerável à violência, à morte e a agressões.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 29 de Novembro de 2009. [email protected]

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Uma resposta

  1. Prezada,
    Malu Fontes.

    Com a medicina avançada, antes os doentes eram tratados até a morte no leito de suas casa.Não havia capelas para velório, o finado era velado em casa, mair 24 horas de dor e sofrimento para a família.Hoje com o avanço da medicina, os pacientes são tratados nos hospitais, suas mortes geralmente ocorre no cento hospitar, de lá segue para o velório na capelas das mortuárias, isso quando a família quer velório.Se não quiser o velório o corpo chega a capela duas horas antes do sepultamento para as despedidas finais do ente querido, e logo segue para o cemitério onde seu corpo vai descer a mansão dos mortos.Me lembro na fazenda de meus avós , nos anos 50 as várias fotos dos parentes mortos no caixão sendo velado em casa, era muito triste ficar olhando aquela parede da sala enfeitada com fotos de defuntos>Quando vó e vô faleceram ainda na fazenda seus corpo ainda foram velados lá.Depois arrancamos todas as fotos e colocamos fogo, nova pintura, o local tornou um antiene familiar, antes tinhamos medo de entrar naquela sala e fica olhando aquelas cenas horrivéis.Ainda bem que vivemos no secúlo XXI, e não precisamos mais ver estas cenas, chocantes!Hoje só vou a enterro e velório se for de pessoas muito amigas , mesmo assim procuro chegar 30 minutos antes da saida para o campo Santo, e geralmente quase nunca acompanho o velório, dali mesmo me despeço dos familiares presentes!

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