Por Malu Fontes.
Imagens não falam por si. Estas foram as primeiras palavras do presidente Lula diante das cenas de raposas no galinheiro exibidas reiteradamente em todas as emissoras de televisão do país mostrando bastidores de um poleiro no Palácio do Buriti, a sede do governo do Distrito Federal (Brasília). Se imagens não falam por si, nos domínios infindáveis da corrupção nacional o dinheiro não fala: grita. As imagens predominantes na TV foram as do governador José Roberto Arruda, o único eleito pelo DEM nas últimas eleições, e seu séquito de comparsas governamentais enfiando dinheiro em sacos, bolsas, cuecas e meias. Nunca na história desse país se viu um escândalo político tão bem documentado, com imagens, áudio e trocas, ao vivo, de acusações entre políticos, delatores premiados e empresários corruptores achacados pelo Executivo e Legislativo.
As imagens das pilhas de dinheiro clandestino confiscadas pela Polícia Federal no comitê de pré-campanha de Roseana Sarney, que então era a cinderela do extinto PFL para disputar o Governo Federal; a deflagração do escândalo do mensalão nacional, com um funcionário do quinto escalão dos Correios recebendo um pacote de notas corrompendo-se; os dos dólares na cueca do irmão do deputado federal José Genoíno (PT-CE), que, desde então, virou uma esfinge do mau humor com a imprensa; malas de dinheiro localizadas em um hotel em São Paulo, anunciadas como sendo do PT para comprar um dossiê contra José Serra (PSDB) durante a campanha para o governo de São Paulo. Haja na história brasileira recente cenas e imagens envolvendo dinheiro circulando ilicitamente, sempre no contexto político.
PANETONES – No Brasil, onde muita gente nunca pousou os olhos sobre uma nota real de RS 100, imagens de milhares de cédulas na TV de casa, associadas a roubo e corrupção, sempre causam assombro e dão ao telespectador um certo tom de senso de idiotia. Do mensalão atribuído ao PT, passando pelo mensalinho tucano apontado em Minas Gerais, todos os partidos já entraram na roda. No meio da troca de acusações sobre quem tinha o mensalão ou mensalinho, o PFL, que graças à boa imagem que conquistou nos últimos anos precisou mudar de nome para DEM, posava de baluarte da moralidade, da ética, da correição e da correção da desonestidade dos partidos alheios. Com o caso Arruda, deu com os burros n’água de modo apocalíptico.
Arruda, o protagonista da vez, repetiu a mesma performance de canastrão encenada em 2001, quando denunciado por violação do sigilo do painel de votação do Senado. Na época, negou radicalmente tudo, evocou filhos, família e honra aos prantos. No dia seguinte, desdisse tudo e confessou a violação. Nesta semana, foi mais patético. Disse que as cenas em que ele próprio ensacava montes de cédulas em envelopes e sacolas de papel não provam nada contra si. Disse que o dinheiro destinava-se à compra de panetones e cestas básicas para os pobres do DF e para pagar fotografias 3X4 para pessoas carentes tirarem carteira de identidade. Quanto aos diálogos no momento do recebimento, também gravados, Arruda se supera: diz-se vítima de uma arapuca montada por um vigarista, um chantagista, seu secretário de Relações Institucionais, um neologismo ótimo para caracterizar quem intermedia corrupção.
BANCO NÃO – Arruda foi adiante em sua defesa: defeito, aquecimento e resfriamento do equipamento de gravação truncaram e alteraram o teor e o sentido da conversa, desconfigurando o conteúdo. O presidente da Câmara Distrital de Brasília (o equivalente à Assembléia Legislativa, tratando-se do DF), filmado enfiando dinheiro em todos os bolsos, sob o terno e nas meias, não titubeou. Disse que eram recursos contabilizados de ajuda para a campanha e que guardou nas meias e vestimentas (sic) por uma questão de segurança e stylist: não usa pasta.
A direção da Febraban, Federação Brasileira dos Bancos, tem uma causa ganha, contra os governantes, legisladores e empresários que vendem serviço aos poder executivo Brasil afora, pelo estragos causados à imagem do sistema bancário nacional. Se todos os corruptos poderosos sempre dizem que o dinheiro com o qual foram flagrados, enfiado em cuecas e meias, é dinheiro legal, por que raios essa gente honesta, como aquela deputada distrital com cara de senhorinha amiga de padre, vista na TV com um bolsão preto atopetado de cédulas, continua a se recusar a usar os serviços bancários? Como autoridades geralmente têm informações privilegiadas, a insistência delas em carregar dinheiro vivo até em cueca nada deve ser outra coisa senão demonstração explícita de descrença no sistema bancário. Ou esse povo nunca ouviu falar em transferência, TED, DOC?
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado em 06 de Dezembro de 2009. [email protected]
