BLOG DO GUSMÃO

TELEANÁLISE: SEUS PROBLEMAS COM A VIOLÊNCIA ACABARAM

Por Malu Fontes.

Algum gênio, expert ou autoridade em sociologia, antropologia, semiótica, ou, melhor ainda, em comunicação, é capaz de explicar o objetivo, a função, o sentido, a eficácia e o efeito público da campanha institucional, produzida e veiculada pela Prefeitura de Salvador, para anunciar o site <www.salvadordapaz.com.br>, em defesa da paz? Muita coisa abaixo de qualquer classificação de ridícula se tem feito e refeito em nome da promoção da paz. E talvez seja justamente por isso, ou seja, por assustar-se com tamanho mau gosto e tamanha breguice e ineficácia das campanhas e manifestações em seu nome, que a coitada da paz cada vez mais dá as costas a esse país e, mais recentemente, especialmente a Salvador.

Quem quiser saber como a banda toca na relação paz versus violência na cidade, preferencialmente antes de entrar no site anunciado em horário nobre, com o dinheiro dos contribuintes encurralados pela violência, que pergunte a alguma voz privilegiada que vê literalmente o número abissal de cadáveres objetos de violência que chegam todos os dias ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Se não quiser chocar-se um tanto mais, que pergunte tão somente sobre o número de corpos vitimados pela violência e que lá chegam como não identificados. Mas transparência no que se refere a estes ou outros números da violência não é o forte dos órgãos oficiais que usam o gasto nome da democracia em vão.

PÁGINAS POLICIAIS – Os personagens e o cenário da campanha do tal site são de anúncio de sabão em pó, de um branco total radiante. Uma mistura temática de imagens que remetem, ora a aquele povo esquisito e improvável que morava no céu entediante da novela A Viagem, ora a aquelas mulheres de branco reunidas por Duda Mendonça na campanha eleitoral do primeiro mandato do presidente Lula. Ao som do Bolero de Ravel, elas caminhavam muito felizes num campo de trigo, sob um céu de brigadeiro, rumo a um futuro seguro.

O exército humano e o enunciado da promoção da paz da campanha da Prefeitura anunciam literalmente o nada. Já não basta o batalhão de ONGs duvidosas, da confraria do axé e dos engajados sem noção que saem às ruas soltando pombas brancas, todos engajadíssimos em coisas como Sou da Paz ou Vou na Paz? A vida é tão à la Nelson Rodrigues que os famosinhos que aparecem nessas campanhas com as mãos em asas numa mímica da pomba nos outdoors, volta e meia aparecem nas páginas policiais dos jornais sob referências nada pacíficas. Um dia esmurrando um motorista após um pequeno incidente de trânsito, no outro recrutando policiais para matar desafetos.

ARTISTADA – Tão risível, portanto, como os atos e os fatos envolvendo a artistada e a militância que vai ao orgasmo diante de um outdoor da paz é a iniciativa da Prefeitura de usar dinheiro público para divulgar, em horário nobre, em rede de televisão, um site que provoca em quem tem mais de um neurônio uma avalanche de vergonha alheia. A campanha pede para que o telespectador vá ao site, acesse-o e engaje-se na promoção da paz. Como? Ora, muito simples: basta deixar mensagens edificantes, ou um vídeo, um clip. Por que ninguém nunca havia pensado nisso antes como uma estratégia e uma ferramenta definitiva para evitar que uma cidade tão feliz tenha, por exemplo, 62 assassinatos entre o Natal e o Ano Novo? Por que, deuses do mundo, aquelas almas sebosas que esquartejaram e deceparam um rapaz no Bairro da Paz, aquele outro que atirou no publicitário no bar e os metralhadores do Chaplin da Barra não deram uma acessadinha antes no site pacificador? Se o tivessem feito, as manchetes teriam sido diferentes no dia seguinte. Faltou o quê? Divulgação do site um pouquinho antes? Talvez. Só pode ter sido isso. Semana que vem, com a campanha no ar, a matança será estancada. A receita para a paz é, seguramente, apenas holofotes da Prefeitura no intervalo comercial.

TABAJARA – Sob o álibi de saudar 2010, o que a campanha pede mesmo é que o telespectador entre no tal site para promover a paz e passe a fazer parte do contingente que está disposto a mudar as coisas: em nome da harmonia, da alegria do sorriso. Dá uma tese de doutoramento descrever quantas mudanças serão empreendidas na cidade por conta dos cidadãos que entrarem naquele espaço virtual e forem recepcionados por aquela pomba estilizada, aos moldes da de Picasso, mas com mais cores que o arco-íris e galhinho verde na boca, mesmo em tempos de preservação das árvores. Mas se a causa é a paz, tudo pode. Quem entrar, pode deixar sua receita de pacificação. Seus problemas com a violência acabaram e não são as Organizações Tabajara que estão dizendo isso. É o Poder Executivo de Salvador que dá o caminho para, finalmente, interromper essa sangria desatada de assassinatos numa cidade onde só tem gente bonita, feliz e que vive dançando de branco no meio da rua.

Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.

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