Por Evorah Landi.
Um local onde convivem confinados, vigiados por câmeras e microfones, um grupo de pessoas que nunca se viram antes, gente de costumes e pensamentos contraditórios disputando a glória efêmera e um grande prêmio para o vencedor, aquele que permanecer na casa; desta forma está armado o grande teatro televisivo BBB, ou Big Brother Brasil.
Todas as semanas três dos participantes são empurradas ao “paredão” pelos colegas, enquanto que, fora da casa, milhões de expectadores se encarregam em votar a saída de um deles. O programa televisivo é na verdade um jogo inventado na Holanda e é propriedade da Endemol, uma empresa de produção de programas de TV que já o exportou para mais de 40 países.
Como quase tudo que exibe a nossa TV nada tem de educativo, ele é tão somente feito para divertir; isso realmente fica patente nos apelos do programa que escala sempre pessoas jovens, malhados e mulheres bonitas que se exibem diante das câmeras, sempre com muito pouca roupa.
Mas, afinal o que é Big Brother?
É o nome do ditador bigodudo, o Grande Irmão do livro de George Orwell intitulado 1984 (em inglês, Nineteen Eighty-Four) O romance se tornou famoso por ser o retrato da fiscalização e controle de um determinado governo na vida dos cidadãos, além da crescente invasão sobre os direitos do indivíduo.
A obra é uma distopia, ou seja, um anti-utopia, criada como uma sátira que mostra as convenções sociais e limites abusados ao maximo, diferenciando do conceito de utopia, pois nesta os sistemas sociais idealizados não tem raízes em nossa sociedade atual, figurando em uma outra época, geralmente ligada a ideais sonhadores e irrealizáveis. A distopia, ao contrário acontece justamente quando o sonho vira um pesadelo. Orwell nasceu a 25 de Junho de 1903 e faleceu em 1950 devido às conseqüências de uma tuberculose; seu livro 1984 mostra uma assustadora Inglaterra do futuro sendo dominada por um tirano, cruel e despótico que tudo vê e escuta através de sistemas eletrônicos de TV, onde aparece na Teletela seu rosto, de bigode negro e farto e olhar inquisidor e punitivo; ele é o Big Brother que comanda o Reino da Oceânia, uma parte do que está dividido o mundo.
A ação do livro se concentra no personagem de Winston Smith funcionário do Ingsoc, partido governante, que trabalha no Ministério da Verdade, tendo por função alterar a verdade e a historia para que o passado e futuro desapareçam e fique só o presente.
Uma eterna guerra com um inimigo distante, a alienação total da massa majoritária, os proles, levam a população a seguir cegamente as ordens do partido, supostamente dirigido pelo Big Brother. Todos, diante de uma Teletela, diariamente devem parar o trabalho por dois minutos e se dedicar a atacar histericamente o traidor foragido Emmanuel Goldstein e, em seguida, adorar a figura do Grande Irmão. Ficam durante os “dois minutos de ódio” em transe coletivo gritando palavras de ordem.
Winston escreve escondido um diário e comete o maior dos crimes o thoughtcrime, ou seja, pensar por si próprio, pois que, Smith não tem muita memória de sua infância ou dos anos anteriores à mudança política e, ironicamente, trabalha no serviço de notícias já publicadas, retificando versões retroativas de edições históricas do jornal The Times. Ele começa a interessar-se pela sua colega de trabalho Julia, num ambiente em que sexo, senão para procriação, é considerado crime.
Winston é advertido por O’Brien, um burocrata do círculo interno do IngSoc, que tenta convencê-lo a não abandonar a fé no Grande Irmão. O’Brien lhe diz que: “O poder não é um meio, é um fim. Não se instaura uma ditadura para se salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para se instaurar a ditadura. O objectivo da perseguição é a perseguição; o da tortura é a tortura; o do poder, o poder(…) Se queres uma imagem do futuro, pensa em uma bota a pisar um rosto humano. Para sempre”.
Mas Winston acredita que o traidor é apenas uma pessoa que não se submete ao sistema e tem a coragem de afrontá-lo e se junta ao suposto movimento, e Julia o acompanha. Porém vai descobrir que tudo não passou de um plano da Policia do partido, tudo que viveram foi apenas uma ilusão criada, para que, no fim, o crime fosse cometido. Assim, é preso e torturado.
No livro, Orwell expõe uma teoria da Guerra. A qual não é vencer o inimigo nem lutar por uma causa. O objetivo seria manter o poder das classes altas, limitando o acesso à educação, à cultura e aos bens materiais das classes baixas. A guerra serve para destruir os bens materiais produzidos pelos pobres e para impedir que eles acumulem cultura e riqueza e se tornem uma ameaça aos poderosos.
O Estado controlava o pensamento dos cidadãos, entre muitos outros meios, pela manipulação da língua. O Ministério da Verdade criara a Novilíngua, uma língua ainda em construção, que quando estivesse completa impediria a expressão de qualquer opinião contrária ao regime. Uma das mais curiosas palavras da Novilíngua é a palavra duplipensar que corresponde a um conceito segundo o qual é possível ao indivíduo conviver simultaneamente com duas crenças diametralmente opostas e aceitar ambas.
Outra palavra da Novilíngua era Teletela, nome dado a um dispositivo através do qual o Estado vigiava cada cidadão. A Teletela era como que um televisor bidirecional, isto é, que permitia tanto ver quanto ser visto. Nele, o “papel de parede” (ou seja, quando nenhum programa estava sendo exibido) era a figura inanimada do líder máximo, o Grande Irmão.
Chega-se a conclusão que além de uma distopia “1984” é uma sátira, metáfora sobre o poder e as sociedades modernas. George Orwell certamente pretendia dar um aviso os seus contemporâneos do perigo que corriam, O Big Brother é baseado na visão de Orwell sobre os totalitarismos, dentre eles o Stalinismo. Talvez, imaginava ele, um futuro onde uma nova ordem dominaria o mundo, utilizando-se da micro-eletrônica (já existente hoje), para controlar as populações, limitando-lhes o direito de ir e vir, chegando ao domínio total com a prática de outros dispositivos conforme os utilizados pelo Big Brother.
Orwell nos deixa aqui este bom aviso nesta sua ficção; e, assim como o Big Brother da ENDEMOL não é apenas uma mera coincidência, e sim uma idealização da obra de Orwell transposta para o mundo da diversão; o que não faltará é algum tirano que um dia a leia, goste da idéia e queira pô-la totalmente em prática!… O futuro, certamente nos dirá!…
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