BLOG DO GUSMÃO

REVERÊNCIA

Por Marcos Pennha

pennha novaMadrugada de 2 de maio, exatamente às 4 h, levanto e corro para o meu escritório particular. Essa é a vantagem de ter o local de trabalho em casa, porque você já acorda na lida. Com sofreguidão, lembrei de que o meu pai e mestre maior, Genésio, completaria 89 anos de existência nesse plano terrestre, HOJE. Mas o PAI, Criador de tudo e de todos, mandou chamar-lhe para outro plano, outra missão. Em 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, Genésio partiu. Portanto, três meses, sem a sua presença física. 

Cada vez que digito alguma ideia para jogar “no ar”, o faço com uma música de fundo, que se passa no meu inconsciente. A música alimenta a alma. Para falar de meu pai, teria várias músicas que versam sobre pai e amigo. Conscientemente, escolhi “Meu querido, meu velho, meu amigo”, de Roberto Carlos. 

“Esses seus cabelos brancos, bonitos, esse olhar cansado, profundo
me dizendo coisas, num grito, me ensinando tanto do mundo …
 

Genésio foi um pai herói. Passou por diversas situações de agruras, sempre pensando na sua família, que inclui seis filhos. A família era a sua bandeira. Mesmo trabalhando longe, a aproximadamente 250 km de distância, em Eunápolis, sempre vinha a Ilhéus, todo fim de semana, só para acompanhar a vida dos filhos, porque, segundo antiga propaganda de uma pomada para massagear o local machucado, “NÃO BASTA SER PAI. TEM QUE PARTICIPAR”. A conversa amena, o conselho, a ação, ou mesmo com a voz áspera. O objetivo, um só: Dar o melhor de si para os seus. Isso é o AMOR! 

Na foto de Gidelzo Silva, os senhores (da esquerda para a direita): Genésio, Álvaro, Diniz e Zeca, no jipe dos Ex-Combatentes, em desfile de 7 de Setembro, ano 2011, na avenida Soares Lopes, em Ilhéus/ BA.
Na foto de Gidelzo Silva, os senhores (da esquerda para a direita): Genésio, Álvaro, Diniz e Zeca, no jipe dos Ex-Combatentes, em desfile de 7 de Setembro, ano 2011, na avenida Soares Lopes, em Ilhéus/ BA.

E esses passos lentos, de agora, caminhando sempre comigo,
já correram tanto na vida,
Meu querido, meu velho, meu amigo …
 

Foram tantos os bons momentos, que passamos juntos, comendo, bebendo, papeando, rindo, gargalhando, falando de mim, dele; falando de nós (também no sentido de laços apertados, para serem desatados). Seus passos, seus olhares, eram suficientes para passar mensagens importantes de vida. Alertas que só um amigo é capaz de fazer. 

Sua vida cheia de histórias e essas rugas marcadas pelo tempo,
lembranças de antigas vitórias ou lágrimas choradas, ao vento …
 

Genésio, nascido na capital baiana Salvador, aos cinco anos de idade, andava perambulando pela rua, pedindo, não esmola, como faziam, e ainda fazem, as crianças carentes. Com a cartilha do ABC na mão, suplicava aos passantes: “Ei, me ensina essas letras aqui. Eu quero aprender a ler”. O resultado disso foi a sua matrícula no famoso colégio católico Liceu Salesiano, onde só estudavam os filhos de ricos; graças a um padre, que presenciou a cena. Lá, estudou durante anos, como bolsista, onde adquiriu a profissão de tipógrafo. 

Sua voz macia me acalma e me diz muito mais do que eu digo
Me calando fundo na alma
Meu querido, meu velho, meu amigo.
 

Não foram poucas as vezes em que a sua voz abrandava, com a finalidade de conter a minha, alterada, quando havia discordância de ideias e ideais. Jovem (Para todo pai, filho é, eternamente) tem sempre a petulância de discordar em algo do velho. Ele, sabiamente, conseguia êxito com sua nobre atitude. 

Seu passado vive presente nas experiências
contidas nesse coração, consciente da beleza das coisas da vida.
Seu sorriso franco me anima, seu conselho certo me ensina,

Beijo suas mãos e lhe digo
Meu querido, meu velho, meu amigo
 

Em nossas andanças, tomei conhecimento de boa parte de sua vida pregressa, de lutas, de glórias, de vitórias. Genésio, segundo o próprio, teve a sorte de nascer e viver na época em que tudo estava iniciando no Brasil. Viajou o país inteiro, como motorista de caminhão e de ônibus (dirigiu em 7 capitais); montou estações de rádio e cinema em diversas cidades. Nessa época os montadores de cinema trajavam-se com terno e gravata, e eram recebidos como verdadeiros astros. Desempenhou a função, por quase 20 anos, de chefe da área de eletricidade do porto do Rio de Janeiro. Fez um teste na hoje extinta empresa de aviação Cruzeiro do Sul. Passou em primeiro lugar (sua colocação habitual nos concursos em que participou), e pediu licença sem vencimento do seu posto no porto. Foi quebra de tabu, pois, ainda hoje, dificilmente se vê um negro como técnico de aviação, profissão a qual exerceu, ou noutro metiê desse ramo de atividade. 

Uma vida produtiva, cheia de criação de oportunidades para muita gente Brasil afora. Só em Ilhéus, cito dois profissionais de refrigeração, que foram discípulos do seo Genésio: Antônio, que tem um ponto próprio e moradia em cima, na Avenida Itabuna, próximo à casa de extintores Etesi; e Carlos Sodré, o Montanha, nas mesmas condições, no prolongamento da rua 31 de Março, próximo a avenida Candeias, na Conquista. 

Em Eunápolis, meu pai foi serviço técnico autorizado das maiores indústrias de eletrodomésticos do Brasil: Consul, Brastemp, Springer Carrier, Continental 2001, Arno, Britânia, etc. O prédio, próprio, localiza-se na rua Tupiniquins, no populoso bairro Pequi. Ele sempre optou por trabalhar com jovens, que chegavam sem nada saber e saíam com a profissão de técnico em eletrodomésticos.

O sustento da família de Genésio veio dessa abençoada Eunápolis, que ele viu nascer, na época em que esse próspero município baiano ainda era considerado o maior povoado do mundo. Onde ele ajudou a fundar a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), e também foi um dos primeiros acionistas da antiga Telebrás, estatal da telefonia fixa. Era em Eunápolis, que ele catava as ‘nicas’ para levar pra casa. 

Certo dia, tive a oportunidade de conhecer um senhor chamado Mário Brochini, no Rio de Janeiro. Esse homem, amigo da juventude de meu pai, era major e juiz aposentado do Exército, detentor de uma infinidade de habilidades: Cantava música clássica, tocava piano e violino, desenhava, pintava, bailava, … Meu pai dizia que se inspirou nesse amigo para criar os filhos. Então, Doutor Mário Brochini (como meu pai o chamava), que morava numa mansão no fundo do estádio Mário Filho, o conhecido Maracanã, acompanhou-me até a praça de taxi, onde solicitaria um que me levasse ao hotel em que eu estava hospedado. 

Com a mão no meu ombro, ele não parava de tecer elogios ao Sr. Genésio: “Seu pai era uma pessoa fenomenal, como ser humano. Muito compreensivo com os colegas e amigos, e nunca, em seu trabalho, deixava problema sem solução. Sempre dava um jeito pra tudo”. 

O doutor Mário falava assim e, de vez em quando, parava olhava pra mim e, com os olhos marejados, balbuciava: “Olhando pra você, rapaz, é como se eu tivesse vendo seu pai. Você parece muito com ele, quando tinha a sua idade”. Visualizando uma das carteiras profissionais do meu pai, constatei que é verdade. Ele de bigode, conforme um dia eu usei. 

Eu já lhe falei de tudo,
Mas tudo isso é pouco
Diante do que sinto…
Olhando seus cabelos, tão bonitos,
Beijo suas mãos e digo
Meu querido, meu velho, meu amigo”.
 

Certa vez, na esquina da Dom Pedro II com a Jorge Amado, em Ilhéus, depois do almoço e do habitual cafezinho na lanchonete, eu disse-lhe: “Quando eu tenho essas divergências com o senhor, não quero dizer que sou melhor, porque não sou. Se eu cometesse esse ato, seria um idiota, porque as pessoas estariam vendo a verdade. Eu e o senhor temos divergências, e sempre teremos, por causa da diferença de idade. O senhor tem muito mais tempo de vida do que eu. Inclusive, me viu nascer. O senhor tinha tudo pra dá errado na vida, e venceu: Um negro, pobre, filho de uma lavadeira, e nem conheceu o pai, que morreu na cachaça. Se compararmos a vida que o senhor levou e a minha, posso dizer que eu e meus irmãos vivemos uma vida de rico. Juntando seus seis filhos, não vão chegar um o senhor. Se alguém olha para mim ou um de meus irmãos e detecta algum valor, pode ter a certeza de que esse valor será creditado primeiro ao senhor, que nos deu todas as condições de ser tudo que somos de bom”. 

Bom, gente, vou parar por aqui, porque a vida do Sr. Genésio, meu pai, é muito mais do que isso. É uma lição! Cada gota de lágrima escorrida na minha face representa agradecimento por tudo que ele fez por mim, meus irmãos e outras pessoas. A explicação que encontrei para essa enxurrada brotada dos meus olhos. 

Encerro lembrando de outro mestre, que, há pouco mais de um ano (23 de março de 2012), também partiu: Chico Anysio. Chico, que criou e interpretou 207 personagens, iniciou e terminou sua aparição na TV com o Professor Raimundo. A gente tem muito apego ao físico; por isso sentimos a falta dos entes queridos, que partem. Parodiando o professor no final das aulas: “E a SAUDADE, ó …”. IMENSA! 

Marcos Pennha atua como assessor de comunicação. É associado-fundador do Instituto Nossa Ilhéus e, acima de tudo, cidadão.

Leia outros artigos, aqui: https://blogdogusmao.com.br/category/marcos-pennha/

Contatos: [email protected]

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Respostas de 5

  1. Não dá para esquecer um filho tão distinto com o seu pai. Você e a presença de seu pai em várias reuniões, numa cervejinha. Que parceiros, que companheiros visivelmente comprometidos, cenas que por si só, ensinam muito a gente.Obrigado Penha da boa letra, e que o o Gidelzo Silva descanse na glória dos justos, até o dia da derradeira vitória de Deus, e os seus.

  2. Querido amigo Marcos Pennha, emocionada com a sua homenagem e sentindo semelhante. Você foi o filho que todo pai sonha ter, você foi amigo, companheiro, filho, amigo e pai do Sr. Genésio! Que Deus o abençoe!

  3. Marcos, você teve um grande privilégio de ser filho do Sr. Genésio. Conheci seu pai em um único encontro na UESC e nunca mais esqueci de sua simpatia e da serenidade de suas palavras… Um dom do Sr. Genésio que vejo em você.

  4. Como se encontra a sede dos ex-combatentes? passo pela Lomanto junior, me parece que virou agencia de viagem. Não podemos deixar acabar este patrimônio, como ocorreu com a biblioteca municipal.

  5. * Meus caros Paulo Paiva, Maria do Socorro Mendonça e Jorge Chiapetti, obrigado pelas palavras de elogio e conforto.

    Meu caro Paulo, uma correção: Gidelzo Silva é o fotógrafo. Meu pai é Genésio.

    Roberto, desde que o Péricles Tavares partiu, que a Associação dos Ex-Combatentes não foi mais a mesma, tão atuante. No local funciona uma cooperativa de Turismo, sob o comando de um filho de militar, também militar.

    Fortíssimo abraço e bem mais SUCESSO!

    Marcos Pennha

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