BLOG DO GUSMÃO

VAIAS, ESPAÇOS E RESPONSABILIDADES EM ILHÉUS

Prefeito Jabes Ribeiro (PP)  foi vaiado no Desfile de 7 de Setembro. Imagem: Thiago Dias/Blog do Gusmão.
Prefeito Jabes Ribeiro (PP) foi vaiado no Desfile de 7 de Setembro. Imagem: Thiago Dias/Blog do Gusmão.

Por Elisabeth Zorgetz

Elisabeth ZorgetzAs últimas palavras do capítulo Intendentes e Prefeitos de Ilhéus, do mestre que muito admiro, o professor Arléo Barbosa, são: “Jabes Ribeiro (…), polílico por vocação, experiente em administração pública, tem tudo para devolver, a Ilhéus, a perspectiva de futuro que o povo vem perdendo aos poucos”. Ora, apesar da facilidade pela qual o gestor citado foi dissolvido em popularidade numa campanha de oposição em 2005, não posso negar tais palavras, ainda mais vindas de um colega historiador preocupado com seus registros. Tampouco posso culpá-lo pela previsão tão pouco acertada. Os historiadores são mesmo péssimos videntes, mas temos muito cuidado e empenho ao trabalhar com o passado, nosso objeto maior.

Mas, afinal, o que aconteceu? Onde incorre o erro sobre a experiência? Li recentemente uma opinião muito segura de si nas redes sociais, afirmando que não há prefeito que seja vaiado em festa de 7 de setembro. Fiquei curiosa, embora saiba como as dores doem mais no momento que a sentimos – e seu posterior alívio nos traz reeleições frustradas. Com alguma pesquisa e critério, posso pontuar o equívoco. Várias cidades pelo Brasil aplaudiram de pé seus gestores, como Parnaíba, Uberaba, Apucarana e Camaçari, para citar apenas algumas. As reações são comuns, mas nem tanto.

Mas a vaia é o menor dos nossos problemas – e o menor dos problemas de Jabes Ribeiro. Ruim mesmo é o desarranjo completo que vive Ilhéus hoje, como um vagão descarrilado capotando na poeira. Não quero fazer alusão ao vultoso passado, pois é uma memória de poucos, uma memória seletiva que sempre priorizou as elites. O patriarcado, dependência, servidão e segregação deste passado colaboraram absolutamente para o eco de atraso que vivemos no presente. Ainda assim, a habilidade administrativa poderia ter reprogramado uma rota plausível. Mas não o fez. E não o faz há algumas décadas, ocasiões em que o atual prefeito gozava do mesmo posto que hoje ocupa. É ridículo atribuir a catástrofe com plena responsabilidade aos ex-prefeitos Valderico Reis e Newton Lima, cujo descompromisso público e inaptidão política engrossaram o caldo do desmando. Somado a isso, temos o comportamento popular de passividade e falta de identificação com própria contribuição ao que é a cidade.

No TED (Technology, Entertainment, Design) São Paulo, assisti uma palestra muito dinâmica cuja chamada era autoexplicativa: “A cidade é um processo, faça parte dele!”. Era um apelo, mas isso acontecerá com a nossa vontade ou não. Fazemos a cidade todos os dias, usufruindo de nossas atribuições, eleições, profissões, comportamentos e usos do espaço. O teor negativo da cidade de Ilhéus é nossa responsabilidade, com certeza. Um voto sem avaliação coletiva, uma posição sem justa ponderação, um copo plástico no chão, uma sujeição à indignidade, uma agressão no trânsito, um dedo em riste sem reflexão, tudo isso modela a cidade que temos. O gestor público, os legisladores e demais autoridades do município de Ilhéus, ao se isentar de suas capacidades de realização, organização e justiça – e, muitas vezes, utilizar de suas posições para reproduzir ilegalidades e imoralidades – carregam consigo um legado de equívocos muito maiores. Grandes poderes, grandes responsabilidades.

Mas esta é a cidade que queremos? A cidade que carrega a crise da cacaueira com a dificuldade de superação cultural, financeira e prática sobre variabilidade e diversificação econômica? Uma Central de Abastecimento que reúne a marca da imundice, violência e degradação?  O desmonte do Polo de Informática pela ação de interesses individuais? A zona sul da cidade sem esgotamento? Uma coleta de lixo deficitária, falta de alternativas sobre o entulho, e nenhuma coleta seletiva? Uma cidade sem lixeiras? O acesso aos morros oferecendo risco de vida às pessoas e o acesso aos distritos e zonas rurais sem qualquer amparo? A segregação socioeconômica destes espaços? Condições de moradia dos alagados e mangues sub-humanas? Os espaços comuns, praças, ruas e largos com pouca ou nenhuma funcionalidade, recorrentes do abandono pelo poder público ou revitalização mal planejada? Áreas verdes despriorizadas, gestão irresponsável da cobertura verde da cidade? Um fluxo conta-gotas entre o Centro e a Zona Sul da cidade, pela ausência de engenharia de trânsito e alternativas de escape? Um transporte público explorado sem controle por empresas sanguessuga? Nenhum plano de mobilidade urbana? Nenhum terminal de transbordo funcional? A falta de aparelhos e instrumentalização do esporte? A subvalorização dos professores de ensino básico? Estruturas escolares decrépitas e a alimentação escolar irregular? Partos e nascimentos marcados pela violência? Assistência médica ao recém-nascido precária, dentro do hospital e fora dele? Uma saúde centralizada e postos de saúde desmantelados? A agenda pública cultural sem qualquer rumo? O Teatro Municipal de portas fechadas? Museus, memoriais e espaços físicos para ação cultural contínua desabilitados? Secretarias de governo desaparelhadas de suas funções? Uma gestão orçamentária abrupta e voraz? Conselhos-fantoche e nenhum interesse pela consulta pública? É muito para citar, de modo que vou me deter por aqui. Essa é a cidade que alguns negam conhecer, mas todos nós a sentimos. Alguns desses pontos são estacionários, arrastados por governos consecutivos, e tantos outros são de potencial responsabilidade do prefeito Jabes Ribeiro, neste mandato e nos outros três em que atuou. E, principalmente, no que deixou de atuar por um egoísta lavar de mãos.

A cidade não é o lugar da concórdia, nem do consenso. É o ambiente do encontro com a diferença, um espaço fértil para o florescer de processos que nos deslocam do próprio eixo e nos quais experenciamos a diversidade. O comportamento da gestão pública educa. Ou deseduca. Os espaços ensinam. Ou oprimem. As pessoas circulam. Ou são confinadas. O trânsito flui, sem ansiedade. Ou estaca, com fumaça e ódio. A arte floresce. Ou é sufocada. A economia é criativa. Ou é sofrível. Os olhares sociais constroem. Ou despedaçam. As pessoas sobrevivem. Ou apenas vivem.

Lutemos por nossa cidade utilizando bem os espaços, verdejando os jardins, assegurando a ética das relações, furando a bolha das opiniões, transbordando os segmentos classistas, edificando a crítica com conhecimento e argumentação. Não há prefeito, capitão ou capataz que possa diminuir o ímpeto da coletividade com objetivos positivos. Jabes Ribeiro será superado, e qualquer outro que, por acaso, o suceda em vilania também o será. Vaias incomodam, por certo. Mas um povo feroz e engajado decretam a morte de qualquer declínio. Ou tirania.

Elisabeth Zorgetz é historiadora, membro do Núcleo de História Econômica da Dependência Latino Americana (HEDLA) e autora do livro “O Sétimo Rio”.

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Respostas de 3

  1. A mulher do filho de Bebeto, adversário do prefeito, portanto esse comentário está contaminado pela falta de sinceridade.

  2. Mesmo sendo esposa (mulher) do filho do Bebeto (conforme o Emerson aqui nos confirma), nota-se, pelo que aqui nos diz, que está a par da situação global e geral da nossa Cidade de Ilhéus (não vislumbro comentários contaminados e nem falta de sinceridade dos mesmos) e apontou “caminhos” que todos nós, Residentes e Eleitores, devemos trilhar e reivindicar perante os Poderes: Legislativo, Executivo e Judicial (Local, Estadual e Federal).
    Também e através do mesmo Emerson, ficamos sem saber (de acordo com o seu comentário), quem é o “adversário do prefeito” (letra minúscula mesmo)? Se o filho do Bebeto, se a mulher do filho do Bebeto ou se se refere ao próprio Bebeto (Deputado Federal).
    Gostei da matéria assinada pela Elizabeth Zorgetz e conclamo a todos os Ilheenses a lutarem pela nossa Cidade e que façam valer tudo e um pouco mais, do que ela aqui nos sugere no seu último parágrafo do citado artigo e desta matéria acima. Um bem haja para si e daqui lhe envio (como desejo meu), “votos de grandes progressos históricos” nos anos vindouros.

  3. Uma visão e compreensão adequada da história da nossa cidade. As cidades, de uma maneira geral, guardando as devidas proporções, são “a cara” das pessoas que nela residem e de suas instituições.

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