
Por Julio Cezar de Oliveira Gomes
A cena ocorreu no shopping Center de Itabuna, no domingo à tarde, em uma das grandes lojas de departamento ali situadas. Enquanto a mãe experimentava sapatos, alguns de seus filhos viam as mercadorias e brincavam ao redor, até que em um determinado momento o menino, de uns oito anos de idade, desferiu um soco com toda sua força de criança no tórax da irmã menor, de uns sete anos, que simplesmente recebeu o impacto e sem reclamar ou chorar se afastou do irmão.
A mãe, que tudo viu, nada disse. Nem a menor expressão de contrariedade expressou em seu rosto. Nada do tipo “não faça isso” ou “em casa vamos ter uma conversa”. Nem mesmo aquilo que os mais velhos chamavam de rabo de olho, aquele olhar que deixa bem claro que “depois eu acerto contigo”. Nada disso. Apenas continuou a provar seus sapatos.
Um fato como esse certamente não tem importância alguma para esta mãe, nem teria para milhões de brasileiros, caso viesse a ocorrer em suas famílias. Mas revela mais sobre nosso povo do que um monte de compêndios de Sociologia ou de História.
Em primeiro lugar a mãe demonstrou explicitamente que acha super normal que uma pessoa do sexo masculino agrida outra, menor e mais frágil, do sexo feminino. Passou também outro atestado, este implícito, mas não menos importante: o de que ela mesma deve estar mais do que acostumada, como mulher, a sofrer este tipo de agressão no lar, na rua, no trabalho; e que já se conformou com a agressão de cada dia, de todos os dias.
Ora, caberia à mãe, sim, reprimir a conduta do filho. Primeiro por ser mãe, tendo o dever de educar. Segundo por ser mulher, pelo que sua solidariedade de gênero deveria começar dentro de sua própria casa. Em terceiro lugar, e principalmente, por amor ao próprio filho.
Isso mesmo, sobretudo por cuidado, amor e zelo para com o futuro do filho, que viverá no mundo do Século XXI, em que esse tipo de conduta já é objeto de penas mais duras previstas em lei, e em que o ato de um homem agredir uma mulher é cada vez mais bárbaro, inaceitável e estúpido. O que hoje é corriqueiro um dia vai dar no jornal!
Cabe a uma mãe, em casos assim, educar o filho para que ele não crie graves problemas futuros para si próprio, nos relacionamentos que estabelecerá quando adulto; e para que não infelicite profundamente as pessoas com quem virá a se relacionar.
O porvir em um mundo cada vez mais tecnologizado, mais moderno, de máquinas cada vez mais eficazes, decerto exige pessoas mais centradas, mas amadurecidas, com mais noção de responsabilidades em relação a si mesmas e aos outros, cada vez mais atentas aos direitos alheios e aos nossos limites com relação às demais pessoas.
Do contrário, corremos sério risco de nos tornarmos bestas-feras tecnologizadas, expressando nossa primitividade hi-tec, com alta tecnologia, fazendo, de forma análoga, o mesmo que os alemães fizeram entre 1939 e 1945: usar nossa capacidade de raciocínio aplicando-a em ciência e tecnologia e utilizar tudo isso para produzir armas, guerras e mortes. A diferença é que o desastre alemão foi público e notório, e o nosso será privado, cotidiano, dentro das paredes de nosso próprio lar ou às vezes fora dele, mas sempre se expressando nas mulheres agredidas ou assassinadas que virão a compor as estatísticas deste contínuo e silencioso genocídio.
Contínuo por perpetuar-se já a partir de nossas crianças. Silencioso como a menina agredida e a mãe conivente.
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz. e-mail: [email protected]

Respostas de 2
E onde está o pai?
Perfeito, sempre debato com minhas amigas e conhecidas que a violência deve ser combatida a todo custo e que, principalmente entre as crianças- meninos e meninos deve se impor o respeito mútuo- menina não deve, jamais, ser incentivada a temer o menino, deve sim respeitá-lo e exigir o mesmo tratamento. Cabe a nós, adultos, orientá-los nesse sentido. Pais jamais deveriam se omitirem e/ou incentivarem que os meninos,sobretudo,agrida as irmãs, para que as mesmas não se acostumem a ser “inferiores” ainda na infância. Belo texto! Bravo.