BLOG DO GUSMÃO

A REAÇÃO INFANTIL AO BEIJO DE CHICO ALENCAR EM AÉCIO

Chico Alencar e Aécio Neves.
Chico Alencar e Aécio Neves.

Por Luis Felipe Miguel/publicado no Facebook

Sobre o beijo de Chico Alencar em Aécio: sim, foi feio. Um deputado de esquerda não devia ficar de afagos com um líder golpista, adversário histórico de todas as causas populares. Nem devia, aliás, ter ido ao jantar em homenagem a Ricardo Noblat, que é um dos exemplos maiores da podridão moral do jornalismo brasileiro, um sujeito que, toda vez que surgia alguma chance do golpe não se concretizar, não hesitava em clamar por uma intervenção militar.

Mas o que se viu no Piantella é um resultado esperado do regime representativo, um dos mecanismos que faz com que ele trabalhe muito mais contra do que a favor da transformação social.

É comum pensar que a democracia representativa surgiu como uma meia sola: já que temos territórios e populações grandes demais para uma democracia direta, vamos fazer o povo governar por meio de representantes. Na verdade, como mostraram Ellen Meiksins Wood, Bernard Manin e outros, a lógica foi a inversa: era preciso ter territórios e populações grandes para afastar o risco da democracia direta.

Mesmo quando provêm das classes populares, o que a dinâmica da concorrência eleitoral torna raro, os eleitos passam a integrar uma elite, diferenciada de sua base. Por mais que divirjam, estão numa condição comum a todos. Competem, mas convivem e tendem a criar laços pessoais, mais ou menos como numa turma de escola. Então chegamos a cenas assim, em que adversários políticos trocam afabilidades. Não esqueço da foto em que um José Genoino com um sorriso enorme e os braços abertos se prepara para cumprimentar ninguém menos do que Jarbas Passarinho, que acabara de ser nomeado ministro do governo Collor. Na época, Genoino ainda estava na esquerda do PT.

Como a política não é só razão, também é paixão, é claro que isso interfere na ação dos representantes. Suas divergências ficam parecendo um teatrinho. Na verdade, parece que nós, os bobos, brigamos por aqui, enquanto eles se divertem entre eles.

Em suma: se olharmos por um lado, podemos chamar de “civilidade”, algo positivo para a democracia. Se olharmos por outro, vamos chamar de “domesticação do conflito político”, levando à acomodação e ao conservadorismo.

Chico Alencar, a meu ver, foi apenas humano, isto é, fraco. Sucumbiu aos incentivos do ambiente em que está. É bom que ele tenha percebido que não pegou bem: o que nós podemos fazer é tentar criar incentivos em sentido oposto, controlando nossos representantes. Mas expulsá-lo do PSOL, como algumas pessoas, andam falando, é um tanto exagerado.

Não sou do PSOL, então nem tenho autoridade para opinar, mas me parece curioso que se cogite em punir dessa maneira Alencar quando episódios muitos mais graves – como o apoio de Jean Wyllys ao regime sionista – passaram em branco. Parece que o ponto é a preservação de uma imagem de pureza, que infelizmente se tornou central para o auto-entendimento de boa parte do PSOL.

O que me leva a meu último ponto: o que o beija-mão de Alencar revela sobre a esquerda partidária brasileira. Vi dezenas de petistas dizendo que o episódio “comprovava” que o “PSOL está a serviço da direita”. E os psolistas respondiam lembrando da longa promiscuidade do PT com os políticos mais reacionários. É isso. A esquerda brasileira não consegue organizar uma frente de luta contra o golpe, muito menos estabelecer um programa que atraia setores centristas e seja capaz de garantir eficazmente uma defesa dos direitos ameaçados. Está entretida demais brigando entre si e cobrando, uns dos outros, um atestado de pureza que apenas demonstra uma compreensão muito infantil da política.

Luis Felipe Miguel é professor de ciência política da Universidade de Brasília.

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