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Depressão e suicídio devem marcar nova onda da Covid-19

Passada a necessidade de sobreviver à pandemia, perdas emocionais, físicas e financeiras impactam diretamente a saúde mental das pessoas Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo.

De O Globo.

A consultora C. L., de 39 anos, diz que sempre foi ansiosa. Mas, nos últimos meses, o quadro se acentuou. Com o isolamento em casa, na capital paulista, e a sobrecarga entre trabalho e os cuidados do filho, começou a ranger os dentes, roer unhas compulsivamente, exagerar no café. A preocupação com a saúde dos pais, idosos e morando em outra cidade, também pesou. E a ficha caiu quando ela se viu numa crise de choro na frente do filho de três anos.

— Foi quando resolvi procurar ajuda médica. Não queria passar essa tristeza para o meu filho. E também precisava cuidar de mim, estar bem emocionalmente. Toda essa situação na pandemia de não poder sair, de acumular funções, desencadeou uma explosão de ansiedade e nervosismo — conta. — Tinha também medo pela minha família, de sair e passar algo para eles. Meu filho anda com álcool gel para todo lado.

C.L. começou acompanhamento psiquiátrico há um mês. E, como ela, centenas de brasileiros sentem um impacto da pandemia que vai além dos já conhecidos na saúde física ou respiratória nos últimos seis meses. É um problema que afeta diretamente a saúde mental das pessoas em quarentena e pode deixar sequelas.

— Os transtornos mentais são decorrências da vulnerabilidade biológica de uma pessoa e dos fatores ambientais. Se você tem uma boa base e reserva biológica, vai depender de uma situação muito estressante para desencadear um quadro desse tipo. O que acontece é que temos de fato hoje uma situação ambiental muito particular. Primeiro, causada pelo medo da infecção e da morte. Depois, pela quarentena e o isolamento social — explica o psiquiatra Jair Mari, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O detonador, explica, são as condições que acompanham o isolamento.

— O que o torna estressante é a angústia que pode acompanhar esse isolamento. É quando a pessoa começa a sofrer. Começa a ter aperto no peito, ansiedade, insônia. Famílias inteiras precisaram se reorganizar em novas realidades nesse período — afirma Mari.

São situações particulares de angústia e solidão, diz, que se somaram a outras, estruturais, de desemprego, insegurança e medo em relação ao futuro.

— Os fatores ambientais estão mais desfavoráveis à vida humana. E o que temos é aumento de ansiedade e pânico, depressão, transtorno do estresse pós-traumático, incidência de psicoses — enumera Mari, que destaca ainda o impacto na saúde mental de profissionais da saúde e estudantes de Medicina no país.

Consultas e recaída
Recentemente, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) chamou essa nova crise na região de “epidemia silenciosa”. Países como Brasil, México e Estados Unidos, afirmou, são os mais impactados:

— Metade dos adultos desses países estão estressados por causa da pandemia. Muitos estão usando drogas e álcool, o que pode gerar um ciclo vicioso para as doenças mentais —alertou a diretora-geral da Opas, Carissa Etienne.

Na prática, psiquiatras e psicólogos brasileiros já relatam aumento de consultas e de quadros de ansiedade e pânico entre pacientes. E alertam para os riscos de depressão e suicídio no cenário pós-pandemia no país. Uma pesquisa recente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) com associados de todo o país mostra que 89,2% deles destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos nos pacientes devido à pandemia de Covid.

Além disso, 48% dos psiquiatras ouvidos perceberam aumento em seus atendimentos nos últimos meses. A demanda de pacientes novos chama a atenção e foi relatado por 67,8% dos psiquiatras — na maioria, são pessoas que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos. Além disso, 69,3% dos entrevistados no estudo informaram que atenderam pacientes que já haviam recebido alta médica e que tiveram recaída de sintomas.

— Desde o início da pandemia chamamos a atenção para que não se deixe de lado a saúde mental, porque essa vai ser a pior das ondas, que é a onda das doenças mentais — afirma Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP.

Na psiquiatria, essa é a chamada “quarta onda” da Covid, ao lado de uma segunda onda de contágio do vírus e de uma terceira onda dos efeitos econômicos e sociais da paralisação de atividades pela quarentena, todas concomitantes e desafiadoras.

— A questão é que doenças mentais não são ondas que sobem, têm um pico e descem — diz Silva. — Quando se desencadeia um quadro psiquiátrico, o tratamento dura meses, anos. E o Brasil ainda tem o agravante de que já somos campeões mundiais em ansiedade, vice em depressão. Temos tudo para que essa onda seja pior aqui.

Os impactos também chegam a crianças e adolescentes. Uma pesquisa deste mês da Sociedade Brasileira de Pediatria mostra como o confinamento pela pandemia e a falta de interação social já afetam esse grupo: 88% dos pediatras ouvidos no estudo afirmam que as crianças apresentam alterações comportamentais com o confinamento. A mais frequente é oscilação de humor, citada por 75% deles, seguida de fala e comportamento desorganizados, abordada por 5% dos profissionais entrevistados.

Quadros graves
Outra preocupação é o aumento de casos de depressão e suicídio pós-pandemia, um fenômeno observado historicamente em catástrofes naturais, como furacões, ou sanitárias, como foi com o ebola.

— Agora as pessoas estão se cuidando, não querem morrer. Mas, passada essa necessidade de sobrevivência, as fichas vão caindo, e aparecem concretamente as perdas de uma quarentena: emocionais, físicas, financeiras. Aí as pessoas se deprimem. Também é esperado um aumento dos casos de suicídio — alerta Danielle Admoni, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que também alerta para uma escassez de postos de atendimento para a área.

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