No mundo de hoje, em que adultos e crianças se isolam com seus dispositivos eletrônicos para entrar sozinhas na selva da internet; em que a juventude se tranca em seus quartos e foge perigosamente ao convívio com os demais membros da família; em que somos criados trancados em apartamentos mais ou menos ricos ou nas favelas, para nos proteger da criminalidade, dos carros velozes, das maldades do mundo, o homeschooling virá para nos fazer ainda mais solitários, para empobrecer ainda mais nossas precárias relações interpessoais presenciais, para entristecer nossa infância.
Por Julio Gomes.
A necessidade de escrever sobre o projeto de lei que reconhece como válido o ensino ministrado às crianças exclusivamente no ambiente doméstico, por seus pais ou por professores exclusivamente contratados por estes, já havia me assaltado várias vezes, porém os demais compromissos postergavam este momento que se impôs de forma imperativa quando, nesta semana, assisti meu youtuber favorito, que tem quase 100 mil seguidores, retornar para uma pequena cidade do interior do Maranhão e visitar, com visível emoção, a singela escola onde cursou as primeiras letras do ensino fundamental.
Que alegria pura e infantil do adulto bem-sucedido ao ver novamente a fachada e o pátio da escola onde passou parte da infância! Rever a cantina onde matou a fome na infância pobre, a temida sala da Direção da escola, o local das brincadeiras coletivas e até mesmo os banheiros! A caminhada, cheia de expectativa e emoção, para mostrar a sala de aula simples e humilde onde se assentara tantas vezes em sua infância, e finalizar o vídeo dizendo que iria procurar uma de suas professoras de então, mas que isso mereceria mais um vídeo, um novo e especial episódio em sua carreira de youtuber.
Inevitável, nesse contexto, que cada um relembre de sua própria infância: dos primeiros coleguinhas, da autoridade representada nos diretores e professores, do aprendizado, das brincadeiras que faziam com que cada um de nós fosse para a escola com alegria renovada no dia seguinte, na certeza de que tudo aquilo era novo, bom e feliz!
Pois o homeschooling – pois hoje em dia tudo precisa ter nome em inglês – acabará com tudo isso: com a socialização da criança, com o convívio com os professores, com a ida até a escola levando os cadernos e livros, com a alegria da merenda coletiva e das brincadeiras do intervalo ou recreio escolar, com a liberdade do retorno para casa.
No mundo de hoje, em que adultos e crianças se isolam com seus dispositivos eletrônicos para entrar sozinhas na selva da internet; em que a juventude se tranca em seus quartos e foge perigosamente ao convívio com os demais membros da família; em que somos criados trancados em apartamentos mais ou menos ricos ou nas favelas, para nos proteger da criminalidade, dos carros velozes, das maldades do mundo, o homeschooling virá para nos fazer ainda mais solitários, para empobrecer ainda mais nossas precárias relações interpessoais presenciais, para entristecer nossa infância.
Sob o pretexto de oportunizar a certificação do aprendizado feito em casa em favor de crianças cujos pais vivem viajando e de outras circunstâncias que se configuram como absolutas exceções, se permitirá que os pais fechem ainda mais o já restritíssimo círculo de relações pessoais em que nossas crianças vivem, cercando-os com pessoas escolhidas a dedo para simular um mudo restrito, perigosamente idealizado e falsamente uníssino.
As famílias, que têm cada vez menos filhos e que os criam em um mundo sem quintal, sem futebol no campinho de terra batida, sem árvore para subir, sem ribeirão para banhar-se e sem filhos dos vizinhos para brincar, submeterão agora as crianças ao isolamento de suas casas, que por mais endinheiradas e luxuosas que sejam jamais poderão substituir a riqueza, e diversidade, a alegria e o aprendizado do imprescindível convívio humano com crianças da mesma idade e com outros adultos, que compõe o cenário sociológico natural e saudável da vida.
É a infância do homeschooling que você gostaria que tivesse sido a sua? É isso o que você propiciará aos seus filhos?
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Blog do Gusmão.
Uma resposta
Na posição mundial em que o Brasil está no quesito “educação”, qualquer alternativa é válida.