Quando eu ou meu primo passávamos, ele sorria um sorriso aberto, e cantava com o sotaque carregado, que após anos assistindo a Rede Globo o povo deixou de ter. Cantarova ele, no sotaque baiano mais carregado que você possa imaginar: – “Ménino do Rio, calor que provoca arrupio”…
Por Julio Gomes.
Estávamos em 1979 ou, bem mais provavelmente, no início dos anos 80. Novamente na Bahia para passar férias, mas desta vez não mais em Salvador, e sim em Ilhéus, para onde os parentes que nos acolhiam haviam ido morar. Foi assim que a Princesinha do Sul entrou em nossas vidas.
Situada na Av. Bahia, que hoje se chama Av. Vereador Marcus Paiva, a casa onde ficávamos estava próxima ao Fórum, e também próxima do local onde ficava exposta a antiga locomotiva que puxava o trem que saía de Ilhéus nas décadas anteriores, cujos restos estão hoje quase irreconhecíveis no pátio do Detran, no Iguape.
Em frente ao Fórum havia uma pequena venda ou mercearia, onde por ordem de minha tia ou para comprar algo para nós mesmos íamos de vez em quando, sendo também rota de passagem rumo à rua principal daquele local, a Av. Osvaldo Cruz.
Penso que naquela época pessoas de fora não deixavam de ser uma novidade em uma Ilhéus mais modesta e bem menor do que a que temos hoje, mais de 40 anos depois, e talvez por isso eu e meu primo chamávamos certa atenção, o que seria normal.
Porém o que me intrigava, embora causando simpático agrado, era um rapaz que trabalhava na referida venda, um baiano típico na aparência morena, meio cheinho, sempre muito sorridente.
Quando eu ou meu primo passávamos, ele sorria um sorriso aberto, e cantava com o sotaque carregado, que após anos assistindo a Rede Globo o povo deixou de ter. Cantarova ele, no sotaque baiano mais carregado que você possa imaginar: – “Ménino do Rio, calor que provoca arrupio”…
Aquilo me deixava entre surpreso e risonho, pois a brincadeira, feita com simpatia e certo carinho, me agradava, embora a conversa nunca tivesse passado disso, pois nada mais havia para fazer na venda além das compras eventualmente necessárias.
Passaram-se os anos. As férias na Bahia foram substituídas pela moradia permanente em Ilhéus, onde viemos morar em 1985, mas não lembro se neste ano a venda ainda existia, ou se seus donos eram os mesmos, ficando, porém, marcado que nunca mais vi o baianinho, do qual nunca gravei sequer o nome, mas de quem nunca esqueci em suas simpáticas expressões e brincadeiras, sempre risonho e feliz.
Muitos anos mais tarde, já bem recentemente, há cerca de um ano, ao perguntar pela venda que existia na mesma esquina fui informado de que aquele rapaz morrera, embora não se soubesse informar mais detalhes; e de que seria gay, o que me foi informado sem que eu nada perguntasse a esse respeito, o que também me causou certa surpresa, pois na inocência de meus cerca de 15 anos, em 1980, simplesmente não estava ligado nisso nem poderia imaginar que se tratasse de algo assim.
Hoje, finalmente explicado o motivo da cantoria e dos sorrisos, ficou-me a boa e feliz lembrança destes episódios de minha juventude, e a saudade por saber que não verei mais o baianinho.
Assim, dedico a ele, de volta, a canção composta por Caetano Veloso e cantada por Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil). Como diz a letra da bela música, esteja você em espírito onde estiver, dessa vez sou eu quem canta, e “eu canto para Deus proteger-te”.
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Blog do Gusmão.

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