Por Emílio Gusmão
Amiga (o) visitante. A importância de Nelson Mandela beira o grande consenso. Para não cair na repetição, segue um pequeno resgate da memória.
No final de 1989, após a conclusão do ano letivo, passei longas férias numa pequena propriedade rural herdada por minha mãe, em Itaimbé, até hoje distrito de Potiraguá.
Foram tempos difíceis, de incertezas, já que nesse período meus pais decidiram colocar em prática novos planos de sobrevivência.
Na casa em que fiquei quase 90 dias não havia energia elétrica, geladeira e tv. O único rádio portátil à disposição não conseguia sintonizar sequer uma emissora.
Sem acesso ao fluxo de informações (não muito intenso como hoje), fiquei ilhado, sem ter a mínima noção do que rolava no mundo. Meus velhos estavam imbuídos em tocar o novo projeto, e eu, com apenas 14 anos, andava por roças de cacau, montava em mulas, de vez em quando jogava bola e vi pela primeira vez uma vaca parir. Para um menino urbano, a adaptação não foi nada fácil, mas deixou boas e más lembranças. Como fazia falta o vaso sanitário!
No dia 12 de fevereiro de 1990, meu pai me incumbiu de ir até Itabuna, cumprir uma tarefa cuja descrição minha memória não dá conta. Era uma segunda-feira e minhas pernas estavam repletas de picadas de “jatiuns”.
Já era noite. Ao descer na rodoviária e deixar o ônibus da Viação Rio Doce, peguei outro da antiga Expresso Cachoeira e desci próximo à Avenida do Cinquentenário. Completamente desinformado, estava ansioso para comprar um jornal.
Quando cheguei numa banca de revistas próxima ao Santuário de Santo Antônio, deparei-me com a inesquecível primeira página da Folha de São Paulo. Duas manchetes estão até hoje presentes em minha memória: “África do Sul liberta Nelson Mandela” e “Tyson cai mas quer anular luta”.
A libertação de Nelson Mandela encheu-me de otimismo. Para mim, em quase três meses o mundo havia mudado drasticamente, e para melhor. Jamais pensei que o regime segregacional e racista fosse capaz de tal ato, por mais que fosse um pedido comum a diversos povos e nações. A imprensa ressaltava a todo momento o alto nível de intransigência dos governantes sul-africanos. Eu tinha certeza de que o líder negro morreria na cadeia.
O primeiro nocaute sofrido por Mike Tyson, imposição de James “Buster” Douglas, também foi uma grande surpresa. No boxe, ele me parecia tão intransponível quanto os líderes brancos da África do Sul, na política.
No site da Folha reencontrei a primeira página.
